“Novo normal, novo lugar-comum, novos tempos” batizam uma nova era, ou simplesmente referem-se ao resgate de valores e comportamentos negligenciados no “velho normal”? Ou, ainda, dizem respeito a uma mistura de capitalismo, socialismo, comunismo, cada qual contribuindo com sua parcela de significância nas políticas públicas? Ou, no caso do Brasil, a revisão de sua democracia até então geradora de usufruto para uma oligarquia política e seus oligárquicos mantenedores? Provavelmente um pouco de tudo isso.
Em matéria que publiquei no jornal Estado de Minas em abril de 1990, portanto trinta anos atrás, tive o privilégio de entrevistar o saudoso Pierre Weil, psicólogo, pensador e escritor. À época presidente da Fundação Cidade da Paz e reitor da Universidade Holística Internacional, o escritor já defendia a bandeira de um “novo normal”, uma mudança na forma de encarar a vida. Para ele, o então considerado normal vinha sendo sufocado pelo comum, como se esse comum pudesse se legitimar como normal.
Para Weil, o “novo normal” está no paradigma holístico, no respeito a uma nova ordem na forma de encarar o universo. Nada de fronteiras em todos os aspectos e nunca enxergando a parte dissociada do todo. Para o psicólogo, essa maneira de pensar é um rico legado do padre Antônio Vieira: “o todo sem a parte não é todo, e a parte sem o todo não é parte”.
Em suas publicações, Pierre Weil considera que as fronteiras são as grandes barreiras do desenvolvimento humano. Ele diz ter aprendido essa lição quando ainda era criança, ao conviver com a disputa entre a França e Alemanha sobre a posse de Strasbourg, sua terra natal, situada na divida dos dois países. “Naquela época descobri a nocividade das fronteiras, o que me preparou para, hoje, trabalhar na colocação de pontes sobre todas elas, sejam fronteiras nacionais, psicológicas, religiosas, epistemológicas ou do conhecimento. Essas fronteiras separam os especialistas e os transformam em pessoas que sabem tudo sobre o nada”, dizia ele.
E completava, […] “A partir do momento que o homem se sente separado [do meio ambiente], sua tendência é possuir tudo que lhe dá prazer e de rejeitar tudo que lhe dá dor ou o ameaça, ficando indiferente a tudo que não lhe serve imediatamente. […] Os cursos e discursos intelectuais e conferências são válidos, mas não resolvem o problema, pois mudam opiniões sem, contudo, mudar atitudes. […] Ter conhecimento técnico não é bastante. É preciso ter consciência no emprego das técnicas.”
Inspirado no autor, acredito que, no pós-pandemia, teremos uma boa parte do “velho normal” resgatado em sua essência, uma espécie de tradicional travestido de atual. O mercado será mais exigente quanto ao efetivo papel da economia como ciência social. Cobrará das organizações genuíno compromisso com o social até então sufocado pela pressa, pela competição nem sempre leal e excessiva dose de ganância com roupagem de legítima ambição. Novos conhecimentos técnicos serão agregados, é claro, mas o que prevalecerá, conforme Weil, será a consciência no emprego das técnicas.
O foco, como nunca poderia deixar de ter sido, será a solução de problemas, e não a mera adaptação a eles, como sabiamente advoga há muito tempo o doutor Marcos Sant’Anna, membro do Conselho de Presidentes. Assim, o “novo normal” exigirá a ressignificação de líderes e organizações para o melhor emprego de técnicas- novas ou não- na conquista e manutenção de clientes, na permissão e aceitação social de sua existência e sustentabilidade. Consumidores terão maior protagonismo e serão cada vez mais exigentes quanto a valores que, para muitas organizações, vinham sendo irrisórios percentuais de seus orçamentos investidos em muita comunicação e pouca ação efetiva.
Acredito que a intensificação do home office e do delivery, bem como a desaceleração do consumismo, o compartilhamento, a emigração para lugares mais pacatos, por exemplo, serão a tônica da óbvia solução dos problemas de mobilidade e de poluição por combustíveis fósseis. Nada de alargar ruas e avenidas, impor rodízios de automóveis, enfrentar transporte público vergonhoso. Nada de fronteiras nas contratações de empregados, que prestarão serviços a partir de suas casas e de seus países. A reorganização “browniana” da economia exigirá melhor distribuição da renda, com naturais entregas de anéis ou perdas de dedos. O mundo não terá mais espaço para a direita ou esquerda, mas para o time dos que querem seguir em frente, e no qual eu pretendo jogar.
Pierre Weil ( 16 de abril de 1924 – 10 de outubro de 2008)
Ex-Presidente da Fundação Cidade da Paz e Reitor da Universidade Holística para a Paz de Brasília – UNIPAZ. Autor de 35 livros, entre eles o best seller “O corpo fala”.
Júlio Miranda- julio@mirandaconsult.net – julio@conselhodepresidentes.net