Li há pouco tempo, com um misto de respeito e tristeza, entrevista concedida pelo empresário Carlos Tilkan, presidente da Estrela, tradicional indústria brasileira de brinquedos.
A empresa é mais uma das tantas vítimas de planos econômicos equivocados. Merece respeito o brilhante trabalho desenvolvido por Tilkan, que conseguiu reerguer a empresa depois de amargos quinze anos de ameaças da invasão de produtos chineses ao Brasil.
O executivo foi forçado a demitir empregados, fechar fábricas, driblar entraves à competitividade como logística precária, carga tributária escorchante, pesados encargos sobre a folha de salários, apenas para citar alguns fatores que tiram o sono do empreendedor brasileiro.
Contudo, senti uma profunda tristeza por perceber que a indústria brasileira Estrela já não é mais tão indústria e nem tão brasileira assim. Para conseguir sobreviver, passou a exportar seus produtos, mas com o detalhe de que tais exportações se dão a partir de sua fábrica na China. No Brasil, a empresa passou de indústria a comércio.
Nas proximidades de Xangai, China, visitei fábricas de eletrodomésticos que exportam para “indústrias” brasileiras, as quais passaram a comercializar e não mais fabricar os produtos que deram origem à sua existência. Ainda bem que suas marcas conseguiram sobreviver ao homeopático processo de transferência de empregos e processos industriais para os países asiáticos.
Fabricação de produtos por terceiros não é problema, quando se trata de estratégia de negócios. No caso da Estrela e de diversas outras indústrias no Brasil, mais do que estratégia de negócios, a terceirização de sua produção ou a transferência de suas unidades fabris para a China são desesperada saída para a sobrevivência, já que seu país de origem não oferece condições de competitividade em nível internacional.
Concorrentes estrangeiros passaram a ser parceiros, mas a que preço para o Brasil no longo prazo? É a triste máxima que diz: “se estiver no inferno, para sobreviver tem de abraçar o capeta”. Melhor seria se estivéssemos no paraíso.
Segundo o Fórum Econômico Mundial, o Brasil que já ocupava a ridícula 57a. posição no ranking de competitividade, caiu dezoito posições, passando a ocupar a vergonhosa 75a. posição em 2015. Essa é uma trajetória preocupante para o porte, também decrescente, da economia brasileira.
Não há pacotes de bondades que deem jeito nessa situação. Desonerações pontuais apenas mascaram a realidade e, pela falta de lisura, criam privilégios, deixando estados e municípios estrangulados em suas finanças, já que o arrecadador-mor, o governo federal, repassa cada vez menos às unidades federativas, que ficam com os encargos dos serviços à população.
A falta de visão e de planejamento de longo prazo tornam o país refém de iniciativas conjunturais, quando precisa, na verdade, de reformas estruturais. É como quem tenta evitar o naufrágio retirando água do barco com uma canequinha. Só que a água entra em maior volume do que se consegue retirar da embarcação.
O resultado é previsível, e não é bom, todos sabemos.
Qualquer reação depende de coragem do executivo e de apoio do legislativo, ambos até então mais ocupados em moldar fatos à narrativa conveniente, a fim de sair bem, a cada dois ou quatro anos, no midiático ciclo vicioso de eleições e reeleições.
Felizmente, o bom povo brasileiro ainda tem fé e esperança de que terá o país que assistimos nos discursos eleitoreiros e nas propagandas governamentais.
E tem de ser rápido, porque a água está tomando conta da embarcação e o País tem pressa de que nossa indústria seja um negócio do Brasil e não da China.
Júlio Miranda
Consultor de estratégias para gestão de negócios e diretor do Conselho de Presidentes
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